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REVISTA CON-CIENCIA N°1/VOL. 5: 85-95. JUNIO 2017. ISSN: 2310-0265
A produção científica na perspectiva da complexidade da angústia de labirinto à fundação da liberdade
The scientific production from the complexity’s point of view from the anguish of the labyrint to the foundation of freedom
RODRIGUES DE ALMEIDA BUENO, ENILDA1 SUANNO, JOÃO HENRIQUE2
CORRESPONDENCIA: ENILDA.BUENO@UFT.EDU.BR SUANNO@UOL.COM.BR
FECHA DE RECEPCIÓN: 24 DE ABRIL DE 2017 FECHA DE ACEPTACIÓN 28 DE MAYO DE 2017
Desde el punto de vista de la teoría de la complejidad de Morin, este trabajo se con- centra en el proceso de investigación cien- tífica e de adquisición de conocimiento. La pesquisa está basada en algunos trabajos im- portantes de Morin (2000, 2003, 2010, 2015),
Torre (2005), Moraes (2002, 2015), Bueno
(2001, 2009, 2014, 2016), Suanno J. H. (2013,
2016), Velasco (2016), y otros investigadores de la complejidad. El articulo ha sido conce- bido y escrito en una etapa posdoctoral, con la intención de respaldar la investigación em- pírica; su cuestión central ha sido la siguiente:
¿cuál es el método, o cuales son las metodo-
Abstract
From the vantage point of Morin’s com- plexity theory, this paper focuses on the process of scientific enquiry and knowl- edge acquisition. The research is based on some important works by Morin (2000, 2003, 2010, 2015), Torre (2005), Moraes
(2002, 2015), Bueno (2001, 2009, 2014 2016),
Suanno JH (2013, 2016), Velasco (2016) and other researchers of complexity. The paper was conceived and written in a post-doc- toral stage intended to support the empir- ical research; its main question was the fol- lowing one: what is the method, or what are the methodologies better suited for under-
Pós doutoranda no Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias -IELT/UEG- IELT/ PNPD do Campus de CSEH/UEG Anápolis –GO. Pesquisadora do NIELNúcleo Interdisciplinar de Estudos Literários do Curso de Letras da UFT Campus de Porto Nacional- TO e do NEPEFE - Núcleo de Estudos e Pesquisas em Fenomenologia e Educação da UFG - Faculdade de Educação- GO e Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Membro do Grupo de Pesquisa Ecologia dos Saberes Trans- disciplinaridade - ECOTRANSD/CNPq.
Doutor em Educação pela Universidade Católica de Brasília - UCB/DF. Pós-Doutor em Educação pela Universidade de Barcelona – UB/ ES. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO. Psicólogo – PUC/GO. Psicopedagogo – PUC/ GO. Pro- fessor titular da Universidade Estadual de Goiás. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias -IELT/UEG. Membro da Rede Internacional de Escolas Criativas – RIEC. Membro do Grupo de Pesquisa Ecologia dos Saberes e Transdisciplinaridade - ECOTRANSD/CNPq.
logías más bien ajustadas para comprender la complejidad humana, tanto institucional como planetaria, en el marco del siglo vein- te y uno? El objetivo del artículo es el de ha- cer una contribución para un nuevo direccio- namiento de la investigación en las ciencias sociales y humanas, comprendiendo que es necesario suplantar las visiones dogmáticas en la busca de la verdad, así como en la ela- boración de nuevos conocimientos. En una realidad compleja y sistémica, tenemos ne- cesidad de métodos que nos permitan esta- blecer relaciones transversales, de modo a captar nuestro objeto en el contexto de la realidad vivida, con todas sus especificacio- nes ontológicas. El paradigma de la comple- jidad respalda esta pesquisa, el cuál apunta para un enfoque multidisciplinar, abarcando incertidumbre, creatividad y conexión entre ramos del saber, de modo a romper con va- rias fragmentaciones cartesianas impuestas a las ciencias humanas, como sujeto/objeto, teoría/práctica, razón/emoción. La pesqui- sa aquí presentada es una propuesta para un nuevo método para el estudio de la rea- lidad humana, la cual es compleja y sistémi- ca, y de una nueva comprensión ontológica del ser humano, dotado de creatividad y de protagonismo. Al hacerlo, el articulo también da una contribución para volver la pesquisa científica en un proceso creativo. El articu- lo empieza con la descripción de la realidad contemporánea como siendo compleja y sis- témica, continua con la ontología de un ser creativo y protagonista, para concluir con la propuesta de una nueva vinculación de los campos del conocimiento, mediante una me- todología multidisciplinar y transdisciplinaria.
standing human complexity, institutional as well as planetary, in the 21st century? The aim of the paper is to contribute for a re- directing of the research in human and so- cial sciences, understanding that it is neces- sary to surpass dogmatic views in the search for truth, as well as in the elaboration of new pieces of knowledge. In a complex and sys- temic reality, we are in need of methods that will allow us to establish transversal in- terrelations, in order to catch our object in the framework of the lived reality, with all its ontological specifications. Underpinning the research is complexity paradigm, which points to a multidisciplinary approach, en- compassing uncertainty, creativity, and con- nection between fields of knowledge, in or- der to break away from several Cartesian fragmentations imposed to the human sci- ences, such as subject/object, theory/prac- tice, and reason/emotion. The research pre- sented here is a proposal of new methods for the study of the human reality, which is complex and systemic, and of a new onto- logical comprehension of the human be- ing, endowed with creativity and protago- nism. In so doing, the paper also contributes for turning the scientific enquiry into a cre- ative process. The paper begins with the de- piction of contemporary reality as complex and systemic; it continues then with the on- tology of a creative and active being, and fi- nally it proposes a new linkage of fields of knowledge, by means of a multidisciplinary and transdisciplinary methodology.
KEY WORDS:
Scientific production, Meth- odologies, Transdisciplinarity, Complexity, Freedom.
Este trabalho se efetivou nos estudos sistematizados por ocasião do es- tágio pós-doutoral vinculado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Interdisciplinar em Educação, Linguagem e Tecnologias - IELT/ PNPD/ Cam- pus de CSEH/UEG Anápolis –GO. O estudo tem como objeto de investigação os caminhos inusitados da produção científica a partir do pensar complexo de Edgar Morin e pesquisadores da complexidade. Busca-se na perspectiva da complexidade superar a fragmentação, o reducionismo, o dogmatismo, a unilateralidade cientificista, ainda existente na elaboração de conhecimentos, em especial nas Ciências Humanas e Sociais.
Nesta via, a complexidade caracterizada por meio do rigor, da coerên- cia e da abertura epistemológica para religar saberes de forma criativa, sur- ge como uma das possibilidades para repensar a busca pela verdade através da produção do conhecimento científico. Por meio da investigação científica, as pesquisas em Ciências Humanas e Sociais vêm, no percurso desencadeado pelos filósofos e pesquisadores, instituindo uma nova ontologia, com diferen- tes metodologias para abarcar a complexidade humana, institucional e plane- tária no século XXI. Nesse sentido afirma Moraes (2015),
Com o foco acima explicitado, voltamo-nos inicialmente para a reformu- lação do problema da elaboração do conhecimento científico com uma efe- tiva conduta interrogativa cujo solo é a existência enquanto realidade com- plexa e sistêmica; em seguida, para a ontologia do ser e a intersecção da complexidade nas dimensões de incerteza, criatividade e ligação de saberes na produção científica como criação, e, deste modo, contribuir para transfor- mar o processo inacabado de produção do conhecimento.
Para efetivação de toda pesquisa, em especial nas Ciências Humanas, percorremos caminhos inusitados que não sabemos onde nos levarão, não por ausência de método, mas pela riqueza e complexidade do humano e do mundo real onde se insere. Neste trabalho de investigação, assim como em todos já realizados, percebo que o processo de produção do conhecimento é sempre um momento de aprendizagem, mas por vezes são também, mo- mentos de conflitos, dúvidas e incertezas que angustiam o pesquisador. Para Suanno, (2016), há dois tipos de angustia,
Neste trabalho a perspectiva que tomamos é a de busca de novos conhe- cimentos, sendo esta a angústia que nos impele a procurar por respostas. Pois na compreensão de (Von Zuben, 1994, In: Morais, 1994), a história do sujei- to humano em seu mundo vivido, também é marcada pela “angústia de labi- rinto”. Para ele,
A partir dessa compreensão é possível dizer que o mundo nos apresenta inúmeras balizas, de modo variado e complexo, cabendo ao indivíduo inter- pretá-las. Nesse momento de reflexão, é que a angústia de labirinto se torna fundação da liberdade. Então, firmado a liberdade como capacidade ontoló- gica de criar, reiniciar sem cessar, é possível transgredir espaços em busca de novos métodos e/ou novas balizas para produção do conhecimento. Nessa dimensão afirma o pesquisador Ph.D Juan Velasco:
O pensamento complexo, também nos ajuda a compreender o porquê desse sentimento contraditório, vivenciado por ocasião da elaboração de no- vos conhecimentos. Ao buscar aquilo que ainda não sabemos, percebe-se que não estamos prontos e nunca estaremos, pois a incerteza e incompletu- de fazem parte da existência humana.
A realidade contemporânea é marcada por problemas de ordem, social, econômica, cultural, biológica, espiritual, geográfica, física e tantas outras. Isso tem gerado um mundo de incertezas, de imprevistos e fatos inesperados, com os quais temos dificuldades de conviver, bem como, de buscar soluções compatíveis, para problemas tão complexos. Maria Cândida Moraes (2002)
Tradução livre: É importante compreender o entendimento de que o pesquisador em toda humanidade, tem lidado com dois elementos bá- sicos da pesquisa como a curiosidade e observação, não poderia ficar como disse Platão na caverna observando as sombras refletidas pelo fogo e que, lá fora o espera um mundo para descobrir, a pergunta é se "controle" é a palavra adequada ou necessária, ou ao satisfazer as suas necessidades levou-o a gerar tecnologia e entrar na construção de sua própria bola de neve, chamada ciência para diversos fins.
ressalta que se a realidade é complexa, ela requer um pensamento abrangen- te, multidimensional, capaz de compreender a complexidade do real e cons- truir um conhecimento que leve em consideração essa mesma amplitude.
A complexidade estabelece a relação entre as partes e a organização do todo e por meio dessa interconexão leva à visão de contexto. Nada na reali- dade está isolado, tudo se apresenta num processo de interconexão. O ter- mo complexidade provém de complectere, cuja raiz plectere significa tran- çar, enlaçar. Em suas obras, Morin tem esclarecido sobre o novo paradigma que envolve uma visão complexa e esclarece,
Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, há complexidade quando os elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo’ e ainda quando há um tecido interdependente, interativo e inter-re- troativo entre o objeto de conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si. Por isso, a complexidade é a união entre a unidade e a multiplicidade. (2000, p. 38)
Com essa convicção continuamos sempre em busca de outras transforma- ções e inovações para que o processo de investigação, seja constante, a par- tir da existência numa realidade complexa em um mundo globalizado. Essa perspectiva de investigação do fenômeno, nas Ciências Humanas e Sociais pela complexidade, na contemporaneidade nos remete a Edmund Husserl (1996), filósofo e matemático do século XX quando nos convida a
No percurso inusitado da investigação para produção de novos conheci- mentos é necessário “abandonar nossa visão dogmática, para compreender- mos que existem muitos sentidos e reconhecermos que se trata de mais uma visão entre tantas outras possíveis”. (Bueno, 2016, p. 76, in: Peixoto, 2016). Essa ideia é importante para análise da realidade sistêmica e estrutural, como re- quer o pensamento complexo. E ainda nos remete ao conhecimento multidi- mensional. Esse olhar multidimensional do paradigma da complexidade, tra- balha para romper com a fragmentação, a mutilação, a separação na pesquisa.
De acordo com Morin (2010, p. 177), “ao aspirar a multidimensionalidade, o pensamento complexo comporta em seu interior um princípio de incom- pletude e de incerteza”. Que nos motiva a busca incessante de sempre querer saber mais sobre a existência complexa onde vivemos. O sujeito do conhe- cimento é inspirado a criação e a produção de novos conhecimentos cientí- ficos. Na sua complexidade, a realidade e o conhecimento compreendem ao
mesmo tempo a inseparabilidade da ordem e da desordem, a certeza da in- certeza, o previsível do acaso, a parte do todo, o observador do observado, o racional do irracional, o uno do múltiplo.
Morin (2010, p. 192) afirma que “a complexidade é isso: a junção de con- ceitos que lutam entre si”. O pensamento complexo busca reunir, religar os saberes a fim de poder captar o tecido da complexidade. Precisamos de estu- dos investigativos que envolvam o entrelaçar coisas que aparentemente estão separadas, que deem conta de fazer circular o efeito sobre a causa, que traba- lhem com a ideia de totalidade sem dissociar a parte do todo.
Morin (2003) nos adverte que frente a essa riqueza e complexidade do hu- mano e dos problemas que as sociedades contemporâneas hoje enfrentam, são necessárias transformações profundas, quanto ao nosso modo de pensar a realidade e quanto aos métodos de investigação cientificistas, que são im- postos pelo paradigma cartesiano, em especial às ciências humanas.
Nesta perspectiva temos que a ciência não é pronta e acabada e que o co- nhecimento é dinâmico e é produto da construção humana e social. Sendo, pois o conhecimento uma realidade que se mostra dialeticamente. Podendo manifestar se no percurso investigativo, através da criatividade, da flexibilidade, da reflexão como atividades fascinantes em busca de solução de problemas.
Na elaboração científica na perspectiva complexa é preciso partir da rea- lidade global, do mundo vivido, onde as coisas, homens e mundo são termos entrelaçados, estabelecem uma relação de co-pertencimento e co-existên- cia. Propiciando assim, de modo inovador, a continuidade da pesquisa, para produção de novos conhecimentos.
A ontologia é uma parte da filosofia que investiga as feições do ser de modo universal da realidade e da existência dos entes. Etimologicamente, a palavra ontologia significa a ciência do ser. Segundo Bungue (2006) a ontologia é o es- tudo filosófico do ser e do vir a ser. Posto que a realidade na perspectiva da complexidade está sempre em movimento e é processo interminável.
O objetivo da pesquisa em Ciências Humanas e Sociais é dentre tantos, contribuir numa perspectiva de compreensão crítica da realidade social onde os indivíduos estão inseridos, motivando-os a sair da condição de sujeitos que apenas assimilam conhecimentos, para a condição de sujeitos protago- nistas, que constroem e reconstroem o saber, propiciando autonomia e con- tribuindo para a humanização tanto deles quanto da sociedade.
Na investigação científica, a indivisibilidade e o inacabamento do fenôme- no são conceitos entrecruzados, um remete ao outro, um envia ao outro, só existindo assim. A situação, ou seja, o mundo do ser indica-nos a condição ir-
remediável de sermos sempre metaforicamente entrelaçado a outrem, às coi- sas, ao mundo, solo em que germinam todas as ondulações do ser, de sua his- tória, de seu acontecimento. Segundo Rezende (1990),
A complexidade dá-nos um mundo a ver, aquele da coexistência, e nes- te movimento guarda o sentido de uma dialética multifacetada na busca da compreensão do pensamento que se ocupa com a coexistência a partir da pergunta por como agir, portanto, como reflexão sobre a realidade sistêmi- ca. A partir dessas relações tecidas de sentidos e significados de experiências que nos dão a possibilidade de criação de modos de existência e de produ- ção de conhecimentos.
Merleau-Ponty (1996) coloca problematizando que o conhecimento não pode ser subjugado por algum método, no sentido de um procedimento ca- nônico, técnico ou algum tratamento puramente estatístico. Menos ainda, por um sistema filosófico. Temos aqui a necessidade urgente de avançar nos- sas reflexões sobre a temática, que vislumbre uma transformação mais ousa- da e radical, que supere as fragmentações e conclusões precipitadas na ela- boração e sistematização das pesquisas, para a produção de conhecimentos científicos comprometidos com o humano de forma complexa.
Tal compreensão nos é cara para pensar questões prementes que vin- culam pesquisa e produção de conhecimentos. Segundo Bicudo e Espósito (1997), “abrimos novamente a continuidade das perguntas e o fluxo incessan- te de nos vermos no mundo, na curiosidade da busca, imbicadas no círculo existencial hermenêutico” (1997, p. 94). Neste sentido a criatividade enquan- to capacidade criadora de todo ser humano, de ser inventivo, de ter ideias novas, de ressignificar e transformar as coisas de modo variado e diferente, precisa ser desenvolvida e estimulada.
A criatividade para (Moraes, 2015; Torre, 2005), é fenômeno humano com- plexo, plural, multidimensional e que, mais do que defini-la, é preciso com- preendê-la melhor em sua fenomenologia ecossistêmica. Para Moraes (2015), o sujeito vê com mais clareza e precisão quando a inteireza humana está com- prometida, o que acontece no momento em que o sujeito se encontra inteira- mente comprometido, emocional e cognitivamente imbricado no ato criativo.
Para (Bueno, 2016) na interpretação fenomenológica de Husserl o que se nos apresenta como evidência deve necessariamente ser passível da vivên- cia humana. Assim a criatividade é um fenômeno subjetivo, pois ao se voltar para a experiência, observando, refletindo sobre ela e descrevendo-a como se manifesta na sua pureza original, estamos partido daquilo que é sensível
ou aparente, para chegar à sua essência ou consistência. Dessa forma estamos tendo consciência da ação criadora, como criatividade a partir do mundo vi- vido, que é intencional e expressa-se como fenômeno puramente humano.
Para (Alencar e Fleith, 2003) a criatividade não ocorre por acaso, senão profundamente influenciada por fatores da realidade vivida, considerando os momentos de criação como resultados de complexas circunstâncias so- ciais. Completando o conceito, temos em Suanno JH (2013), que a criativida- de implica vontade, emoção e decisão, nesse sentido a opção de escolha, de decisão é fundamental, porque uma pessoa pode decidir ser criativa ou não.
O momento atual em que vivemos requer uma postura cada vez mais consciente, ética e atuante, em razão da maioria dos problemas que hoje afe- tam a humanidade. Nesse contexto, fazem-se necessárias ações compartilha- das de forma contextualizadas apresentando coerência entre sua visão e sua ação. A investigação científica compreende um dos instrumentos de leitura, interpretação e explicação dos fenômenos e das transformações da natureza, resultante da construção coletiva de experiências e da criatividade humana.
Se os contextos mudam, o público muda, as abordagens mudam, é neces- sário acompanhar essas transformações. A atitude interdisciplinar nos reme- te a rever conceitos, apresentar novos referenciais, ampliar as possibilidades históricas para continuar transformando e reinventando nossa realidade, que é complexa e repleta de sentidos e significados. Para Fazenda (2001, p. 17) “O pensar interdisciplinar (...) tenta, pois, o diálogo com outras formas de conhe- cimento, deixando-se interpenetrar por elas (...) não se ensina, nem se apren- de, vive-se, exerce-se”.
O termo interdisciplinaridade significa uma relação de reciprocidade, de mutualidade, que pressupõe uma atitude diferente a ser assumida frente ao problema do conhecimento, ou seja, é a substituição de uma concepção frag- mentária para uma concepção unitária de ser humano. Segundo Edgar Morin, filosofo contemporâneo, a ciência empírica privada de reflexão e a filosofia especulativa são insuficientes para produção de novos conhecimentos, pois a consciência sem ciência e a ciência sem consciência são nulas.
A interdisciplinaridade enquanto metodologia de investigação, pode con- tribuir para mudar a visão reducionista de mundo, por uma perspectiva am- pla, integral que considere a globalidade e a especificidade de cada socieda- de. Pois, a interdisciplinaridade tem como objetivo completar, aproximar as disciplinas e em consequência a humanidade. Ela busca conciliar interesses da convivência humana.
Segundo Bastos, (2001, p. 94 in: Bueno, 2014),
A proposta interdisciplinar compreende que as atividades humanas, li- gadas a produção de conhecimentos, estão relacionadas diretamente com a dimensão humana e sua subjetividade. A interdisciplinaridade é pois uma atividade que se apresenta como complementaridade epistemológica da pesquisa e para a compreensão das mudanças e transformações que passam as sociedades contemporâneas.
Conforme a proposição de Kuhn (1996), o paradigma se altera de tem- pos em tempos, não vivemos sem eles. O novo paradigma proposto a partir do movimento da física quântica se inicia no século XX e toma força no sé- culo XXI, onde é dado ênfase pelos cientistas, na busca de novos caminhos para ultrapassar a visão reducionista e mecânica do universo dos quais Edgar Morin, pensador contemporâneo transdisciplinar, autor da epistemologia da complexidade é o precursor.
A transdisciplinaridade como princípio metodológico nos ajuda a avançar para além do conhecimento disciplinar, pluridisciplinar e interdisciplinar, sem desmerecer sua importância e utilidade. Mas, entendendo que eles não são su- ficientes, para busca da compreensão da realidade em sua totalidade complexa, então é preciso avançar, ir além, inovar e recriar o que já está estabelecido. As- sim, poderemos lançar pontes para religar as partes ao todo e unir as diferenças, para elaboração de um conhecimento mais profundo, abrangente e interativo.
Segundo Paul (2013):
Esse conceito ontológico de natureza fenomenológica, é inerente à abor- dagem transdisciplinar. Vai nos mostra a necessidade de compreender as múltiplas dimensões do mundo enquanto realidade complexa e locus do vir a ser de todos nós. A criatividade pode ser compreendida como processo, crescimento, que deve ser buscado individualmente e com o outro, é um re- criar inovador daquilo que já temos e que sempre pode ser melhorado grada- tivamente. É ir além do que está estabelecido, é um ampliar dos horizontes, é estar aberto as transformações necessárias considerando o todo, sem descar- tar ou desmerecer as partes.
Durante o processo de busca para elaboração deste artigo ficou eviden- ciado, na perspectiva do pensar complexo, que o grande desafio da condição humana é viver no risco e na incerteza. Parafraseando Von Zuben (1994), é o caminho para avançar da angustia de labirinto à fundação da liberdade. Nes- sa perspectiva a produção do conhecimento científico precisa ser realizado com método capaz de enfrentar a superação das dualidades que irão encon- trar na existência vivida, que é complexa e global ou seja, aprender a convi- ver com as situações ambivalentes.
A complexidade propõem, portanto, uma epistemologia que busca o enten- dimento da essência, superando o mundo da fantasia, da aparência. Essa epis- temologia não oferece respostas prontas e acabadas dos problemas, oferece possibilidade de uma compreensão mais ampliada do real, com liberdade, an- coragem, possibilidades sempre em aberto, para um novo vir a ser no mundo.
Entendemos que o pensamento complexo na produção científica sinaliza como um novo modo de pensar e uma nova atitude frente ao mundo, a so- ciedade e o homem. Não pretendemos propor métodos ou modos de fazer. Mas princípios que assumem a abertura e a flexibilidade compatíveis com as singularidades dos contextos e sujeitos, num desafio ao pensar pragmático e prescritivo. Para Morin4 (2015),
Nessa perspectiva de mudança paradigmática, a Ciência e, por consequ- ência, a produção científica propõem uma perspectiva integradora, comple- xa e global do universo. Assim, propõe um novo paradigma dominante “da complexidade” (MORIN, 2000), que tem como foco a visão de totalidade, de teia, de rede; portanto, defende a conexão e reunificação das partes.
Patrick Paul apresenta uma reflexão aprofundada sobre a pluralidade disciplinar e sobre as relações entre conhecimentos científicos e sa- beres não acadêmicos, tema bastante atual considerando que o exercício profissional implica a participação de diferentes abordagens e de múltiplos olhares. A clarificação das relações e das diferenças epistemológicas entre a medicina científica e uma abordagem amplificada, transdisciplinar, pode revelar-se fecunda. A descoberta da pluralidade de pontos de vista possibilita uma visão mais aberta e mais global do sujeito, enfatizando a importância da subjetividade nas práticas dos cuidados médicos. A educação terapêutica, como uma concepção de saúde que associa a objetividade científica e a subjetividade das pessoas, apresentada ao final deste livro, poderá favorecer a compreensão dessas novas abordagens de modo mais concreto.
Compreendemos que é necessário partir daquilo que já temos em nossa vivência e compreender os múltiplos sentidos que se mantem em circulação e que, não se esgotam nunca, em nosso mundo vivido. Os caminhos inusi- tados da produção do conhecimento científico, parecem sugerir elementos para uma reflexão mais efetiva, profundamente engajada, ousada, criativa para toda práxis humana.
Como desafio para repensar nossas atuações temos que lutar, segundo Bueno, (2001), lutar por um acordar da nossa inconsciência, da nossa alie- nação, da nossa indiferença, da nossa mera atitude contemplativa dos pro- blemas, da nossa embriaguez diante da vida. E, finalmente, talvez, o mais importante, acordar para um comprometimento com as mudanças significa- tivamente melhores, para construção de um mundo melhor a vir a ser, consi- derando a incompletude humana.
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